quinta-feira, julho 21, 2005

Provocações

>>> A psicanálise está com os dias contados, ou a contagem esgotou-se em si mesma?
>>> Lula pede o boné, uma garrafa de cachaça e sai, ou assina filiação ao PMDB?
>>> Raica, a esnobadora, é uma moqueca de osso, ou Ronaldinho, num acesso de tranferência, quer ver-se ao lado de um cadáver para suportar seus próprios kg a +?
>>> Hoje vi Cicarelli dizer que não tem coisa melhor que beijar na boca. Será?
>>> Heloisa Helena para Presidente.
>>> Exijo que Babá, ao sair como vice, corte aquele cabelo que ele cria desde que foi chapado prá Woodstock. Prá quem teve vice feio como Marco Maciel, é um sacrilégio repetir a dose.
>>> Tarso Genro é o bobo da corte. Após passar a vida inteira educando e doutrinando a filha prá ser comuna, pede prá esquecer tudo que ele disse porque a onda agora é dar fiofó ao FMI e similares. Acabou de falar que o clima em casa é só de uma gozaçãozinha. A filha tira sarro com ele, mas a gozada mesmo é em nós.
>>> E a imprensa? Digo e repito: todas essas edições são fechadas nos EUA. Daí vem prá cá e os beócios compram e assinam. Em tempo: sou adepto da teoria da conspiração.
>>> Sabrina Sato continua gostosa.
>>> Hoje eu vou ter que tomar um Lexotan. J., me empresta um?

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

1ª Essa primeira frase do post é para mim? Acho q a psicanálise baseada no diálogo para o auto-conhecimento nunca vai morrer porque a interação (e o desabafo) são remédios eternos

2ªSerá q colocamos ao nosso lado pessoas q refletem ou repelem o que queríamos ou não de ver em nós mesmos????
Tô ferrada...vou precisar de uma junta de psicanalistas.

3ª Também sou adepta da teoria da conspiração, mas todo mundo acha q as minhas elocubrações a respeito de tudo q vem acontecendo é efeito das minhas doses diárias de felicidade.

4ªVc quer mesmo, eu empresto...mas, "PERSISTINDO OS SINTOMAS, PROCURE SEU MÉDICO"

3:05 PM  
Blogger sergio marcone said...

Foi uma insPIRAÇÃO minha. É que há trocentos anos discute-se a crise da psicanálise. Lembro de uma entrevista q vi com Paulo Outran. Perguntaram se o teatro estava em crise. Ele respondeu: Desde Sheakspeare... O lance da psicaná é q demora muito. O Daime é muito rápido... só que aí, este passa a ser o problema da raiz. É uma espécie de matrix, das pílulas. Os hinduístas (praticantes de algumas religiões daquelas plagas) fazem este mesmo trajeto, só que variando em vidas universo à fora.
Viva a psicaná, viva o Lexotan.
Viva eu, viva tu, viva o rabo do tatu!!!

5:43 PM  
Anonymous Anônimo said...

Marcone:
Aqui é o Jessé e lhe apresento o que disse Merquior sobre o assunto. Um texto um tanto grande para um blog, mas vale, e muito, a pena. Eis



A superstição psicanalítica*


José Guilherme Merquior
As idéias e as formas
Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1981

*Publicado originalmente no Jornal do Brasil, em 13 e 20 de setembro de 1980.


I


Quatro decênios após a morte de seu fundador, a psicanálise goza de inegável prestígio no mundo ocidental. Mas esse prestígio possui duas dimensões. Por um lado, é uma posição intelectual; por outro, um status social. Ambos variam bastante conforme as diversas culturas nacionais. Nos Estados Unidos, por exemplo, a psicanálise ainda usufrui considerável apreço social, mas seu desprestígio intelectual, ao contrário do que ocorria há trinta anos, é cada vez mais ostensivo. Na França, longamente refratária ao freudismo como teoria e como instituição, a psicanálise conquistou, dos anos sessenta para cá, uma notável influência intelectual e uma grande penetração social. Já na Inglaterra a chamada revolução freudiana nunca obteve maior prestígio, quer teórico, quer prático. Lá morreu, exilado, o anglófilo Sigmund Freud; e lá se administra até hoje a sua herança direta. Porém o movimento psicanalítico jamais se impôs à produção intelectual e a prática psiquiátrica britânicas.
Para situar o Brasil nesse conjunto, não é preciso dar tratos à bola: estamos seguindo, festivamente, o caminho da França. O freudismo virou uma verdadeira cachaça intelectual em Pindorama – e os preços mirabolantes das consultas de analistas atestam que a implantação da terapia do divã é um sucesso de estrondo. Daí a conveniência de aquilatar o valor da psicanálise. No momento em que esta última invade o ensino de humanidades e investe como investe o nosso corpo social (ao nível, bem entendido, da burguesia pagante e esbanjante), cabe, no mínimo, indagar sobre a natureza das idéias freudianas e seu teor de ciência.
Em seu conjunto, a psicanálise (à diferença de dissidências confessadamente irracionalistas, como a escola de Jung) nunca abdicou de suas pretensões científicas – e é de supor que a maioria de seus clientes ainda a tomem como um saber racional, e não como um simples curandeirismo sofisticado. Quando o saudaram, no seu septuagésimo aniversário, como o “descobridor do inconsciente”, Freud teve a vaidosa modéstia de replicar que na verdade essa descoberta tinha sido feita, bem antes da psicanálise, por vários poetas e filósofos: o que ele, Freud, havia descoberto era tão-só o “método científico” para estudar o inconsciente. Pois se é assim, tomemos Freud ao pé da letra e vejamos qual o valor científico, racionalmente testado, de suas teorias.
Testar a força explicativa das teorias de Freud significa medir seu coeficiente empírico. Neste ponto, uma primeira dificuldade se refere ao próprio conceito básico, o de inconsciente. Sendo, como é, por definição, estritamente privado e inacessível o exame direto, o inconsciente freudiano não é, em si, empiricamente investigável. No entanto, o obstáculo é menos terrível do que parece. Também na física muitas entidades submicroscópicas têm sua existência postulada, sem que possam ser diretamente observadas. A validez empírica da teoria cinética dos gases, por exemplo, repousa na construção teórica que engloba essas quantidades inobserváveis. O importante é que, da teoria, podem ser derivadas hipóteses testáveis. O mesmo se passa com a teoria da estrutura atômica de Bohr. Numa palavra: tudo depende da capacidade que a teoria revele de prover “bridge statements” entre pressupostos conceituais e o plano do fenômeno, do observável. Ora, essa capacidade, na teoria freudiana do inconsciente, é praticamente nula.
No mais amplo cotejo sistemático das teorias de Freud com os resultados da pesquisa psicológica empírica até hoje empreendido, The Scientific Credibility of Freud’s Theories and Therapy (1976), Fischer e Greenberg consideram várias hipóteses freudianas, como o fator edipiano no desenvolvimento da personalidade masculina, os caracteres oral e anal na explicação do comportamento e a função expressiva do sonho, perfeitamente seminais para a investigação empírica. No entanto, a avaliação concreta de cada uma dessas teorias tem mostrado sempre que, quando elas são de fato sugestivas, é muito mais como pistas de descoberta do que como elementos de explicação. Tomemos o célebre complexo de Édipo. Freud supôs que o complexo resulta de uma fixação na sexualidade infantil, e mais precisamente no ciúme da criança em relação ao desempenho sexual dos pais, com a repressão do complexo dando origem a determinados padrões específicos na personalidade adulta. Mas tudo o que se conseguiu provar empiricamente foi que a taxa de temas de conflito entre pais e filhos do mesmo sexo é, de fato, significativamente mais alta que entre pais e filhos de sexos diferentes. Além desse ponto, as tentativas de salvar o édipo sempre fracassaram. Assim, quando Malinowski argumentou que os nativos das ilhas Trobiand não conheciam pulsões edipianas, porque o triângulo sentimentalmente decisivo, no meu caso, envolve o filho, a mãe e o tio materno (em vez do pai), o ortodoxo biógrafo de Freud, Ernest Jones, alegou que a hostilidade do filho pelo irmão da mãe assinalava um deslocamento da rivalidade com o pai, nas sociedades patriarcas. Mas o problema é que o tio materno no arquipélago de Trobiand nem sequer coabita com sua irmã. Portanto, a “cena familiar”, cerne da explicação freudiana, desaparece, antes mesmo de poder deslocar-se.
Muitos “freudianos” modernos protestariam contra nossa insistência no fator sexual. A seu ver, o biologismo de Freud é algo datado, e de qualquer modo, irrelevante em relação ao núcleo da concepção psicanalítica do homem. Mas o preço desse liberalismo antideterminista é a liquidação das aspirações da teoria à dignidade de explicação causal. Dá-se o mesmo que no marxismo, sempre que se abandona (ou se qualifica demais) o princípio clássico da causalidade econômica: prescindindo da determinação em termos de infra-estrutura material, o marxismo fica sem dúvida menos grosseiro – mas também fica ainda menos capaz de explicar a mudança histórica.
Idêntico “emagrecimento” empírico sucede com a caracteriologia de Freud. Todos os estudos demonstram que algo no gênero de um “caráter sado-anal” realmente existe. Quando um indivíduo revela tendência a ser ou frugal ou obstinado ou ordeiro, é alta a probabilidade de que venha a exibir também os outros dois traços. De novo, Freud descobriu um fenômeno significativo. Contudo, se tentarmos passar desse plano meramente heurístico, isto é, de descoberta, ao nível da explicação, verificaremos que a hipótese aventada por Freud – a determinação desse tipo de personalidade por experiências localizadas na sexualidade infantil – não possui nenhum fundamento comprovável. O mesmo se pode dizer, mutatis mutandis, do terreno em que o pioneirismo heurístico de Freud foi mais longe: o da interpretação do sonho. A última grande contestação da teoria freudiana do onirismo, desenvolvida por Charles Rycroft em The Innocence of Dreams, reafirma a perspectiva biológica – mas abandona a causalidade sexual. Segundo Rycroft, os sonhos não são realizações alucinatórias de desejos, e sim, reavaliações pessoais do nosso destino biológico comum.
Freud tornou as coisas singularmente mais difíceis quando, ainda no início de sua obra, substituiu a hipótese de ocorrências sexuais reais pelo simples postulado de fantasias sexuais da criança como causa da neurose, infantil e adulta. Com essa substituição, ele penetrou ainda mais no reino do empiricamente inapreensível. A partir daí, Freud vacilou significativamente entre a aceitação e a recusa da testabilidade de suas teses. Mais de uma vez, escreveu que suas observações clínicas poderiam ser checadas pela investigação sistemática do comportamento infantil. Mas noutras ocasiões, e especialmente quando confrontado com falsificações empíricas de suas teorias, preferia insistir na inacessibilidade da interpretação psicanalítica aos não iniciados (v. o prefácio à quarta edição de seus Três Ensaios sobre Sexualidade).
O exame pormenorizado das afirmações de Freud acerca da recordação de traumas sexuais infantis, ou de fantasias correspondentes, produz um estranho resultado. Conforme nota Frank Cioffi, numa devastadora crítica (in Explanation in the Behavioural Sciences, Cambridge, 1970), o próprio Freud admite que, ao lado dos pacientes que não recordam seus impulsos sexuais infantis e conservam seus sintomas neuróticos, e dos pacientes que os recordam e se livram dos sintomas – nos dois casos, confirmando a sua teoria da repressão – existem muitos pacientes que, como os primeiros, não recordam seus impulsos sexuais da infância, porém se livram dos sintomas; e, finalmente, pacientes que também recordam seus impulsos sexuais infantis, e contudo conservam os sintomas neuróticos daí derivados... Em suma: um cardápio de todas as possibilidades – mas, por isso mesmo, inviável como instrumento de apoio à autenticidade explicativa das reconstruções biográficas de modelo freudiano.
Mas a verdade é que Freud não se embaraçava muito com esse tipo de problema. Ao contrário: seus escritos hospedam uma quantidade impressionante de interpretações equívocas. Dir-se-ia que o inconsciente, que desconhece a lógica e é íntimo da ambivalência, mobiliza perversamente esses mesmos atributos ao tentar desempenhar o papel de conceito-chave da teoria da neurose... O resultado é um deplorável laxismo intelectual. Um entre múltiplos exemplos: a bem conhecida história do pequeno Hans. A educação sexual do pequeno Hans fora um modelo de tabus obscurantistas, e Freud a considera, em parte, a causa das fobias animais experimentadas pelo menino, pouco antes do seu quinto ano de idade – uma fase, para ele crucial no desenvolvimento do édipo de cada um. Acontece que, anteriormente aos acessos fóbicos de Hans, Freud já escrevera sobre o menino, desta vez sob o nome de “Herbert” – e então sublinhara que a educação sexual do garoto havia sido um paradigma de atitude “esclarecida” (O Esclarecimento Sexual das Crianças, 1907)! Que fez Freud? Optou por uma escapatória formidável: declarou que a própria educação “liberada” de Herbert-Hans deve ter contribuído bastante para a sua neurótica fobia, “porque”, em outras crianças, a repressão, o medo de castigos, no caso de sua curiosidade sexual ultrapassar certos limites, acabavam minorando a ansiedade, ao passo que crianças liberalmente educadas não podiam contar com esse freio...
Outro exemplo: Freud atribui a homossexualidade (aliás, para a pesquisa especializada, mais conjetural que comprovada) de Leonardo da Vinci à circunstância do menino ter passado seus primeiros anos na companhia exclusiva da mãe. Entretanto, até a segunda edição dos seus Três Ensaios sobre a Sexualidade, publicada no mesmo ano que Uma Recordação Infantil de Leonardo da Vinci (1910), ele sustentava que a freqüência da inversão entre os aristocratas daquele tempo era um efeito do costume das mães nobres não cuidarem pessoalmente de seus filhos... Somente na edição seguinte (1915) essa imputação seria contrabalançada por um aceno à rivalidade com a figura paterna como fator de afastamento da evolução em sentido homossexual. Dessa forma, o germe da teoria do pai ausente (mais tarde desenvolvida pelo inglês Winnicott) vinha salvar, in extremis, um ponto central da interpretação do Leonardo. Mas, como em tantos outros passos, o leitor fica com a sensação de que os explanantes são convocados ad hoc para sustentar um dogma (o pandeterminismo da sexualidade infantil), em vez dos explananda serem reinvestigados com isenção científica.
Que devemos concluir dessa lógica bifronte? Que as explicações de Freud são do tipo preso por ter cão, preso por não ter. Os psicanalistas costumam apontar, com orgulho, para o fato de Freud ter mostrado que “tudo tem significação” em nossa vida. Mas, justamente, trata-se de não prejulgar o significado das nossas experiências. Por isso é que a moderna filosofia da ciência estipula que, quanto mais uma teoria exclui, mais falsificável ela se torna, e, por conseguinte, mais sujeita ao teste empírico. O mal da psicanálise é que ela padece de um tremendo apetite de inclusão: forceja por adaptar tudo, mesmo o contraditório, às suas pseudo-explicações. Quando se vai ver, caímos no vício que Chesterton ridicularizava em certos biógrafos: a mania de achar tudo tão “significativo”, que, “se o biografado deixa cair seu cachimbo, isso é sinal de sua característica negligência; mas se ele o apanha, isso é típico de seus hábitos cuidadosos...”


II


Possivelmente, as falhas lógico-empíricas da psicanálise estão ligadas ao caráter excessivamente antropomórfico da teoria do inconsciente. Freud encarava sua teorização como mais uma etapa na série de revoluções copernicanas que, como a do próprio Copérnico e a Darwin, destronaram a presunção humanística de um privilégio ontológico do homem, estabelecendo em vez dele maior continuidade entre o anthropos e a natureza. Nessa linha de idéias, e por fidelidade à sua formação médica, Freud concebia a doutrina do inconsciente como uma mera tática explanatória; a estratégia permanecia uma explicação de tipo neurofisiológico, naquele tempo ainda pendente de futuros avanços da pesquisa biológica. Mas o certo é que o inconsciente tal como ele o descreve ainda é algo decididamente humano, demasiado humano... Trata-se de um sujeito meio violento e agressivo, mas no fundo extremamente parecido conosco. Que diferença em relação aos frios mecanismos inconscientes explorados em outras disciplinas, como a gramática profunda na lingüística de Chomsky! Se a ciência efetivamente procede, como quer Piaget, por sucessivas descentragens desantropomorfizantes, a psicanálise mal dá para a partida.
Entretanto, muitos defensores atuais da psicanálise não se incomodam com esse tipo de objeção. Se a maioria dos psiquiatras acha que as doenças mentais resultam da interação de fatores constitucionais, físicos e emocionais, e não encontram justificativas para a barreira estabelecida pela psicanálise entre as desordens psicogênicas e o mundo do orgânico, outros teóricos sustentam que a psicanálise “não é uma ciência de observação e sim de interpretação” (Paul Ricouer). Desse ângulo, o freudismo constituiria uma das humanidades, mais próximo da filosofia humanística e até da literatura do que do naturalismo inerente à ciência.
Nesse habitat humanístico é que prospera, como é fácil deduzir de sua localização universitária, o chamado “retorno a Freud” comandado por Jacques Lacan. O axioma fundamental do lacanismo é bem conhecido: “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”. Não obstante, essa portentosa “descoberta” se reduz, uma vez examinada, a uma afirmação ou banal ou falsa. Se com isso os lacanianos querem apenas dizer que as manifestações do inconsciente passam todas pela linguagem – como, de resto, em seu plano conceitua, todo e qualquer aspecto da conduta humana – essa premissa altissonante tem foros de verdade. Não se vê, porém, a que leve ela, nesse plano de mera generalidade de bom senso. A afirmação é correta, porém banal.
Se, no entanto, a tese de que o “inconsciente é estruturado como uma linguagem” aspira, como é natural, a dizer algo mais do que isso, deparamos imediatamente com mais diferenças do que semelhanças entre inconsciente e linguagem. Um dos maiores lingüistas do século, Emile Benveniste, formulou esse ponto de maneira modelar. Observou que o simbolismo lingüístico se diferencia radicalmente da simbolização do inconsciente, em pelo menos três aspectos. Primeiro, a linguagem é algo que se aprende. Segundo, articula-se em signos de extrema diversidade, combinados em tantos sistemas formais quanto as várias línguas naturais existentes. Terceiro, seus signos são, conforme notou Saussure, arbitrários, cada língua podendo empregar um significante diverso do da outra para o mesmo significado. Face a tudo isso, o simbolismo do inconsciente não é objeto de aprendizagem; é universal – os sonhos e neuroses que o traduzem constituem um “vocabulário” comum a todos os povos e indivíduos; e seus significantes são ligados ao significado de maneira acentuadamente motivada e não arbitrária. Em síntese: o inconsciente pode ser tudo, menos, precisamente, “estruturado como uma linguagem”; e o lacanismo, com todo o seu ar de saber esotericamente rigoroso, não passa de uma pedante mistificação.
Com a fragilidade do “fundamentalismo” lacaniano, esgota-se o valor de conhecimento da teoria do inconsciente. Pois o lacanismo, indiferente ao reino das emoções, esvazia a psicanálise até mesmo daquela dimensão de descoberta que ela possuía (embora logo a comprometesse ao nível explicativo). De nada adiantaria a um lacaniano retorquir, como no tempo em que Sartre denunciava o conceito de inconsciente como uma forma de má fé, que “o inconsciente não se refuta”. Sartre descartava o inconsciente a priori, em nome dos dogmas da filosofia da transparência do cogito. Já a nossa crítica, sem recusar de modo algum a existência de um psiquismo infraconsciente, exige apenas que seus teóricos, ao identificá-lo com pulsões sexuais ou com mecanismos lingüísticos, sejam capazes de defender suas hipóteses em termos de boa lógica e suficiente documentação empírica. O ônus da prova – nesta como em qualquer teoria – não incumbe aos críticos e sim aos teóricos, freudianos ou neofreudianos.
E que não nos venham com aquela piada de mau gosto que consiste em tentar a desqualificação da crítica insinuando que ela é um produto da “resistência” dos críticos. Nada disso! Que haja ou não resistência é totalmente irrelevante no que concerne ao mérito científico dos argumentos apresentados. Os psicanalistas têm que enfrentá-los, e, se puderem, refutá-los – mas atacar os críticos em vez das críticas é “foul”. Aliás, pelo mesmo motivo, não recorro à sedutora tese de Carl Schorske (em Fin-de-Siècle Vienna, 1979), segundo a qual Freud se voltou para a psicologia da profundidade como uma compensação para seus ressentimentos e frustrações de judeu liberal na Áustria finissecular; a psicanálise seria um meio de reduzir os conflitos políticos a fenômenos da psique. Schorske pode estar certo ou errado – mas em qualquer dos casos, sua interpretação em nada afeta o valor cognitivo da psicanálise. A qualidade de uma teoria não depende do caráter da motivação que levou o teórico a propô-la.
Restaria saber se a psicanálise, apesar de tão precária como ciência, possui valor terapêutico. O próprio Freud autorizou por vezes essa disjuntiva. Ao relatar a história do pequeno Hans, reconheceu que “a psicanálise não é uma investigação científica imparcial, mas uma medida terapêutica. Sua essência não é provar coisa alguma, mas simplesmente mudar algo”. Infelizmente o “record” psicanalítico nesse campo é tão desanimador quanto o outro. A própria meia dúzia de casos clínicos discutidos a fundo por Freud só contém uma instância de êxito terapêutico indiscutível. “Dora” recebeu um tratamento demasiado breve, sem efeito positivo observável; a análise do pequeno Hans foi conduzida, heterodoxamente, por seu pai, um fanático freudiano; o “homem dos lobos” foi analisado por longos anos e por diferentes analistas, mas o processo não impediu o colapso paranóide do paciente...
Mas isso é apenas indicativo. Se passarmos ao que interessa, isto é, à comparação sistemática da terapia analítica com outros métodos psicoterapêuticos ou, o que é mais instrutivo, com a ausência pura e simples de tratamento psiquiátrico, constataremos que existe uma correlação inversa entre as taxas de recuperação e as de tratamento psicoterápico, com a psicanálise exibindo a pior taxa de recuperação de todos os métodos. Até mesmo os simpáticos e generosos Fischer e Greenberg se sentem obrigados a concluir que “a psicanálise não se mostrou significativamente mais eficaz que outras formas de psicoterapia, com nenhum tipo de paciente”.
Críticas mais recentes salientam a incidência, na psicanálise, do efeito iatrogênico: do mal causado pelo próprio tratamento clínico. No caso do freudismo, isso parece estar bastante ligado à freqüência com que os pacientes partem para a análise já familiarizados com a doutrina ou passam a estudá-la no curso do tratamento. Comumente, o analisando ou ex-analisando vira um analista amador, maniacamente propenso a interpretar o seu comportamento, e o alheio, com as categorias de Freud (para não falarmos na chatice com que insiste no proselitismo). Certamente, o poder de sugestão da psicanálise é enorme – e no mínimo, bem maior do que a sua capacidade de cura.
O próprio número – escasso – de “curas” psicanalíticas não deixa de recair sob fortes suspeitas. A mais simples delas é a de que, com a longa duração que caracteriza o tratamento analítico, o paciente melhora porque melhoraria de qualquer maneira, devido à simples passagem do tempo. Essa hipótese é reforçada pelo fato de que, nos nossos dias, o analisando médio é muito menos aflito e agitado do que as histéricas consulentes de Freud, entre outras razões porque a evolução dos costumes se deu – em boa parte graças à influência das idéias psicanalíticas – em sentido notoriamente liberalizante e permissivo. Muito mais benigna do que os distúrbios mentais não psicóticos vitorianos, a neurose moderna possibilita graus bem mais amplos e flexíveis de convivência do paciente com seus problemas.
Bem sei que muitos fanáticos reagiriam com o maior desprezo a estas nossas preocupações com eficácia terapêutica. Para a maioria dos analisandos “esclarecidos” de hoje, a questão da cura já era. “O importante é a gente se conhecer a si mesmo”, inclusive porque, como sabemos, neurose por neurose, “todo mundo é neurótico.” Lamentavelmente, no entanto, essa alegação oniabrangente só é iluminadora se referida ao nível global da espécie humana. Animal prematuro, presa de uma emotividade desconhecida em outras espécies, o homem pode ser de fato considerado um mamífero altamente “neurótico”. Assim que transporta ao plano das pessoas, individualmente consideradas, a tese da universalidade da neurose se mostra claramente deformante – e jamais seria, aliás, aceita por Freud, que afinal de contas era médico o suficiente para não confundir todos os seres humanos numa mesma categoria. Sob a aparência de uma reprise da sabedoria clássica e de seu nobre mandamento: “nosce te ipsum”, o enunciado dogmático da neurose geral talvez obedeça a uma motivação infinitamente menos elevada – algo na linha do que Nietzsche diagnosticou como o ressentimento do homem moderno. “Todo mundo é neurótico” porque, no fundo, o que eu secretamente não posso suportar é a idéia de que você seja bem mais equilibrado, maduro ou, simplesmente, feliz do que eu...
Vastamente furada como explicação da vida psíquica, pasmosamente ineficaz como terapia, a psicanálise se assemelha àquela faca de Lichtenberg: uma faquinha sem cabo, à qual, por outro lado, só faltava a lâmina... Uma miragem de nossa cultura – e uma prática social de funções muito diversas do que as declaradas. Que funções? Freud fazia praça do impacto escandalizante que tinha e teria a psicanálise, como violação dos tabus sexuais vitorianos. Mas seu conterrâneo Wittgenstein via as coisas de modo diferente. Em sua opinião, em vez de chocar, a teoria freudiana da sexualidade como raiz do comportamento possuía muito charme, como o próprio Freud chegou a admitir uma ou duas vezes. No mundo atribulado e hostil do século XX, pensava Wittgenstein, o mito de um inconsciente cálido e ubíquo funcionava como uma espécie de anjo da guarda de cada um, “protegendo-o” da excessiva impessoalidade do ambiente material e social.
Leslie Farber, o mais “marginal” entre os psicanalistas americanos, escreveu recentemente que, na busca do significado de nossa vida, surge inevitavelmente a tentação de estetizar tanto as nossas próprias experiências quanto as nossas conclusões. A análise é de fato um convite permanente a se dar aos acontecimentos e relações pessoais uma forma mais deliberada e dramática do que eles efetivamente tinham ou mereciam. Creio que Farber acerta em cheio. O êxito social da psicanálise parece vinculado à demanda do narcisismo barato de certa cultura burguesa, em sua presente fase permissiva. As observações de um Robert Castel sobre o contexto social da epidemia psicoterapêutica na França de hoje corroboram essa impressão. O narcisismo é com efeito o ideal do ego contemporâneo, embora não exatamente no sentido que acaba de lhe dar Christopher Lasch em The Culture of Narcissism. O analisando “progressista” típico dos nossos dias é invariavelmente um contemplador do próprio umbigo – mas com uma pequena diferença: é um egocêntrico tremendamente inseguro, e, nessa medida muito mais um candidato a narciso do que um autêntico narcisista.
Naturalmente, esse egocentrismo alienado não encontra corretivo na maioria do atual “clero” psicanalítico, no geral composto de analistas incomparavelmente menos cultos e responsáveis do que os pioneiros do movimento. Em 1920 ou 30, conquanto errônea como pretensa teoria psicogênica, a psicanálise ainda era uma heurística séria e uma corrente libertária. Em 1980, torna-se cada vez mais difícil evitar a conclusão de que, em seu conjunto, ela constitui apenas uma oca e lucrativa superstição. Para o prêmio Nobel Peter Medawar, o “dinossauro” representado pelo freudismo é “o mais estupendo embuste intelectual do século XX”.
No fundo, para ter um mínimo de funcionalidade social, a psicanálise era um pouco como a política econômica keynesiana: ela pressupunha um contexto de moderação. Assim como as gestões keynesianas da economia só funcionavam quando as exigências feitas pelos diversos grupos sociais aos estados democráticos ainda eram razoáveis e modestas, e não alimentavam a espiral inflacionária e sua conhecida nêmesis, a “stagflation”, o efeito positivo da psicanálise provavelmente dependia da existência de um número restrito de neuroses genuínas, cercadas pela massa do autocontrole geral. Do mesmo modo que o equilíbrio dinâmico do keynesianismo repousava na moderação da moral econômica, o libertarismo da psicanálise dependia da moderação da cultural moral. Tudo isso, ou quase tudo, ruiu quando as idéias de Freud viraram a “gíria do nosso tempo” (Lionel Trilling) e a era do “homo psychologicus” passou a confundir a libertação psíquica do indivíduo com uma patética propensão a consumir egos postiços.




posted by: JGMerquior at 20:31 | link | |

9:29 AM  

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